Sons... Os rodados de um landau, os cascos dos cavalos sobre a calçada, vozes, muitas vozes, muito ruído de fundo e de repente... Pum! Um estrondo, o som de um tiro abafado pelo ruído de fundo e nada... Ninguém se apercebeu do tiro! Aquele estrondo marcava o inicio da "batida às feras", começava a "caça"... No dia 1 de fevereiro de 1908, quando regressavam de uma estadia em Vila Viçosa, foram abatidos a tiro o rei D. Carlos I e o seu filho herdeiro do trono, o Príncipe Real D. Luís Filipe. Estes breves momentos, há 108 anos, do famoso regicídio marcaram profundamente a História de Portugal. Foi o início do fim de uma era...
Desenho representando os momentos do regicídio. Capa do suplemento ilustrado "Le Petit Journal", 16 de fevereiro de 1908. |
E se a história tivesse sido diferente? E se naquele fim de tarde frio no Terreiro do Paço não se tivesse ouvido nenhum tiro, não tivesse passado nenhum landau real, apenas as habituais carruagens que percorriam a velha Lisboa? Haveria alguém capaz de mudar a história? Talvez... Quem?
Não vou, nem quero contar esta história, a história do regicídio! Já muita tinta se gastou para descrever o momento! Chegaram até aos nossos dias as descrições das testemunhas, incluindo a do próprio rei D. Manuel II, que estava no landau e também foi ferido num braço. O processo de investigação do caso estranhamente e convenientemente desapareceu... Ainda entregaram uma cópia ao próprio rei D. Manuel já no exílio em Inglaterra, mas quando este morreu, em 1932, o processo sumiu. Nada foi encontrado na sua casa de Fulwell Park!
Mas vou e quero contar a história de um homem das Terras de Basto, monárquico convicto, muito amigo da família real e que hipoteticamente poderia ter sido um ator decisivo numa mudança de cena, uma cena drasticamente diferente daquela tragédia! Chamava-se Manuel Augusto Pereira e Cunha.
Mas vou e quero contar a história de um homem das Terras de Basto, monárquico convicto, muito amigo da família real e que hipoteticamente poderia ter sido um ator decisivo numa mudança de cena, uma cena drasticamente diferente daquela tragédia! Chamava-se Manuel Augusto Pereira e Cunha.
Foi em 1855, no dia 15 de outubro que nasceu um menino, na Casa de Barreiros, em Atei, Mondim de Basto, no seio de uma família da pequena aristocracia rural. Manuel Augusto era filho de Joaquim António da Cunha e Silva e D. Ana Diniz Pereira. A linhagem da grande Casa de Barreiros viria do lado dos seus avós paternos, Manuel José da Cunha e Benta Alves Ferreira.
Assinatura de seu pai em documento de quitação de pagamento datado de 31 de janeiro de 1876. (nesta data, Joaquim António da Cunha e Silva já estava viúvo) In Arquivo Distrital de Vila Real. |
Menino rico, quando cresceu, em 1871 foi estudar para o liceu, em Coimbra. E o excelente aluno ingressou na mais velha universidade portuguesa, a Universidade de Coimbra. Escolheu direito e apesar de ter sido convidado para dar aulas, no final da formatura, em 1877, não quis! Queria experimentar a política!
Claro que para isso não bastava ter dinheiro, era preciso ter influência, era preciso ter amigos de peso! Na faculdade já tinha alguns... O poeta António Cândido, o Conde de Monsaraz, D. Francisco de Vieira e Brito, futuro Bispo de Lamego...
Como membro do Partido Regenerador foi eleito deputado pelo círculo de Cabeceiras de Basto, depois Administrador dos concelhos de Mondim de Basto e Vila Real e secretário dos Governos Civis da Horta e de Santarém. A 27 de janeiro de 1890 é convidado para Governador Civil de Faro, depois do Porto e finalmente de Lisboa no final do ano de 1901. Terá sido, possivelmente, nos 4 anos que se seguiram, altura em que ocupou este cargo que se terá aproximado mais da corte e da família real.
A amizade entre Manuel Augusto Pereira e Cunha e o seu rei era tão grande... Quase idolatração! A consideração que o rei tinha por ele era enorme. Tinha-o como um ótimo conselheiro e um verdadeiro amigo. Chamava-lhe o "Pereira"...
Terço oferecido a Manuel Augusto Pereira e Cunha pelo Papa Pio X (Pontificado 1903-1914) |
Fotografia tirada após um almoço oferecido ao rei inglês, no Palácio da Pena. Ao centro, sentados, estão o rei D. Carlos e Eduardo VII. Cliché A. Novaes. |
Recepção ao rei Eduardo VII, no Terreiro do Paço. Lisboa, abril de 1903. |
A grande pirâmide e a esfinge em Gizé, Egito. Fotografia do séc. XIX. |
Conde de Alves Machado. Também ela foi uma ajuda essencial, habituada a gerir a casa e a tomar conta dos seus irmãos mais novos após a morte precoce de sua mãe, D. Amélia Alves Machado, filha do conde.
Postal ilustrado da Rua da Estação de Ramleh. Alexandria, Egito, 1903. |
Em 1908 dá-se o regicídio! Manuel Augusto Pereira e Cunha estava longe... A notícia caiu-lhe como uma bomba! Foi um enorme desgosto ver assim desaparecer o seu rei, o seu amigo, aquele que tanto admirava. Um duro golpe que o marcou profundamente. Quem lhe dera ter podido impedir de alguma forma aquela tragédia. Será que podia? Segundo palavras da própria rainha D. Amélia, SIM! Consta que a rainha terá dito uma frase que ficou para a posteridade...
"Se o Pereira cá estivesse, não tínhamos feito esta viagem!".
O rei D. Manuel e a sua mãe, a rainha viúva D. Amélia, rodeados pelos seus cães no Palácio da Pena. Sintra, 1909. |
Manuel Augusto Pereira e Cunha In Ilustração nº 314, 10 janeiro 1939. |
O que é certo é que Manuel Augusto Pereira e Cunha não estava lá, não os aconselhou e o atentado premeditado aconteceu. Nem o atraso provocado pelo descarrilamento que aconteceu na Casa Branca, com o comboio real que os trazia de Vila Viçosa impediu a tragédia! Ou também faria parte do plano do atentado? O rei e o seu herdeiro morreram, subiu ao trono o filho mais novo D. Manuel e reinou apenas por mais dois anos. O fim anunciado de 800 anos de monarquia ficou escrito naquele dia!
Anel oferecido pelos seus colegas e amigos do Tribunal de Alexandria quando se veio embora para Portugal. |
Fica no Egito até 31 de janeiro de 1925, altura em que resolve abandonar o cargo de Presidente do Tribunal de Alexandria. Quis regressar à sua querida Atei e descansar. Naquelas terras do norte de África deixou muitas saudades... Foi um juiz tido como sábio e extremamente rigoroso. Diz-se que as suas sentenças nunca tiveram apelação!
Manuel Augusto Pereira e Cunha rodeado pelas mulheres da família na sua Casa de Barreiros, em Atei. Fotografia gentilmente cedida pela sua sobrinha D. Teresa Gil Pereira e Cunha. |
Placa colocada nas arcadas do Terreiro do Paço, em Lisboa, no local exato onde ocorreu o regicídio, por ocasião do seu centenário. |
Sir Manuel Augusto Pereira e Cunha morre a 19 de janeiro de 1937 na Casa de Barreiros. Curiosamente o seu último desejo foi ser sepultado com os retratos dos seus queridos amigos, o rei D. Carlos e a rainha D. Amélia, na altura ainda viva. E "seja feita a vossa vontade"... Sobre o seu caixão foram colocados os retratos Reais. E lá permanecem, no jazigo do cemitério de Atei, sete palmos abaixo de terra, juntos para toda a eternidade.
Que saudades sentia ele do seu rei! Quem lhe dera ter impedido aquele desfecho terrível, aquela dor da sua rainha, a dor de uma mulher, de uma mãe, a dor de uma nação adormecida e apática! Mas não impediu, nem ele, nem ninguém! Infelizmente ninguém advinha o futuro, acho eu! Uma coisa é certa, ninguém volta atrás no tempo! Porque se voltasse uma simples ação, algumas simples palavras poderiam mudar radicalmente o futuro.
Fotografia gentilmente cedida por D. Teresa Gil Pereira e Cunha. |
Video do Expresso Online "Viagem ao dia do regicídio", contado pela investigadora Margarida Magalhães Ramalho. In www.youtube.com
E SE O PEREIRA LÁ ESTIVESSE? E SE...
"Escrever: Escrever para não gritar: Para não perder a razão - sim, para não perder a razão. Para expulsar; por um instante que seja, as terríveis imagens deste dia, e suportar o longo horror desta noite, a primeira de todas as que estão para vir. Escrevo para mim. Escrevo para não enlouquecer..."
Palavras da rainha D. Amélia no "Diário de Dona Amélia de Orleães e Bragança" alusivo ao dia do Regicídio.
Agradecimento especial:
A D. Teresa Gil Pereira e Cunha, sobrinha-neta de Manuel Augusto Pereira e Cunha, que tão gentilmente se disponibilizou para ajudar.
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